Admiro a parábola de Jesus sobre o fariseu e o publicano, pela sua clareza em expor uma realidade da vida cotidiana. Nela, dois homens vão ao templo orar. Enquanto o fariseu faz exaltação de si mesmo, dizendo que cumpre suas obrigações religiosas e que isso o torna melhor que o outro, o publicano apenas clama por misericórdia ao reconhecer que é um pecador (Lucas 18:10-14).
É possível observar nela o efeito do orgulho e da humildade sobre nossos atos. Para mim, contudo, esta parábola ilustra muito bem a diferença entre a espiritualidade inteligente e a espiritualidade ingênua. e o modo como ela se manifesta em nossas palavras e atos.
Espiritualmente inteligente, o publicano compreende que a questão principal no diálogo com Deus é sua interioridade, suas ações e o modo como se sente a respeito delas, a fim de se tornar uma pessoa melhor. Ele faz um exame de si mesmo e de sua própria conduta, reconhecendo o desafio de agir como sente que deveria.
O ingênuo fariseu, por outro lado, é um ser focado na aparência, nas regras e procedimentos. Nada indica que fosse má pessoa. Apenas tinha uma percepção limitada. Penso que ele desejava que as leis espirituais se encaixassem na sua estreita visão da vida e servissem aos seus propósitos imediatos, enquanto ele cumprisse as prescrições religiosas. Ele não entendia que nem sua posição social, nem exterioridades outras interessavam, naquele momento. A busca de conexão espiritual precisaria ser íntima e profunda.
Gosto da ideia de que Jesus também era um homem de hábitos sociais questionáveis, pois ousava curar aos sábados e seus discípulos não lavavam as mãos antes de comer. Ou seja, ele também nos incentivava a olhar além das normas impostas. Para mim, isso quer dizer que precisamos ir além das regras, para penetrar o sentido daquilo que fazemos, do que nos acontece.
Detalhe importante: o publicano era uma pessoa execrada na sociedade judaica de então, enquanto o fariseu era uma prestigiada autoridade da lei, o que indica que nome, posição social, aparência, bens e roupas têm importância relativa.
Creio que a superficialidade, engole a vida e destrói seus significados mais nobres. A superficialidade faz olhar por alto, quando a verdade dos seres se encontra nos seu interior. Somos seres espirituais, vivendo uma experiência material. A existência terrena é uma oportunidade de aquisição de valores espirituais. Isso significa que nossa essência é imortal e nossa busca é a melhoria interna, em primeiro lugar.
E embora uma vida espiritualmente inteligente possa ser materialmente mais tranquila, a conexão espiritual tem a ver com buscar viver uma vida mais ética, respeitosa, amorosa, compassiva. Não tem a ver diretamente com nossos interesses pessoais.
É comum confundir o brilho dos pertences com a luminosidade do Ser (outro efeito da nossa ingenuidade espiritual), o que faz com que nos enganemos, visto que a falsidade e a maldade não têm cara.
Enquanto isso, a vida nos equipara a todos, sem exceção, perante nossas necessidades de entendimento e de iluminação, de compreensão fraterna e de convivência. Ela não nos mede pela conquista material, mas pelo progresso moral e dos sentimentos.