Alguém escreveu que “o Brasil é um país construído em bases violentas, mas que acreditou no mito do ‘brasileiro cordial'”, e atribuiu a frase ao filósofo e ensaísta húngaro Peter Pál Pelbart, num texto de autoria fake que circula pelas redes sociais. Mas como ele parece real e vi pessoas sensatas se entusiasmarem, concordando com ele e compartilhando, resolvi falar a respeito.

A frase acima faz uma afirmação de sentido amplo, que parece fundamentada. Não é raro que análises filosóficas e sociológicas reais, transformadas em textos escritos, criem generalizações para enfatizar um ponto e impactar o leitor. Cabe a nós, que não precisamos concordar apressadamente, pensar um pouco, estudar mais, descobrir até onde essas análises refletem uma realidade e onde são puras opiniões, meras frases de impacto… ou mentiras.

Assim evitamos embarcar na proposta de um texto que parece verdadeiro, mas cujas bases podem ser questionáveis. Nesse caso, a própria autoria é falsa, mas não apenas isso.

O texto replica o discurso de ódio que pretende denunciar

O autor oculto afirma que “o Brasil” – observe – é “machista, racista e homofóbico” – o que parece mais do mesmo ódio e ressentimento que o texto quer denunciar, destilado na própria frase.

O Brasil não é racista. Racista era a Alemanha nazista, com o racismo transformado em política pública. Os Estados Unidos nos anos 60, em que a polícia controlava onde os negros podiam ir e qual assento ocupavam nos ônibus.

É fato que existe o racismo por aqui e que ele vem da origem nacional, do tempo colonial. Mas não é uma crença generalizada. Uma parte dele é evidente pelas injustiças flagrantes e violência, mas aqui também existem consequências legais e jurídicas. Comportamentos que denotam racismo são proibidos e punidos pela lei.

Já os preconceitos íntimos de cada um não estão acessíveis, nem podem receber sanções. Mas suas manifestações são reprovadas e coibidas.

Creio que precisamos, sim, dar mais atenção para esses preconceitos íntimos, esse racismo ainda “invisível”, mas que aparece nos hábitos cotidianos de quem pensa que alguém – em geral, afrodescendente – vai ser “meu” serviçal/empregado, limpar “minha” sujeira, fazer o “meu” serviço pesado, mas achando que pagar os “seus direitos” é caro demais. E, pior!, ensinando isso, quando os filhos não precisam nem tirar seu prato da mesa e colocar na pia, porque têm alguém para ser empregado deles também. Adolescentes e jovens que, certo dia, viram ativistas políticos “pelas causas sociais e ambientais”, mas que nunca lavaram um banheiro, e que também aderem ao discurso de ódio que saem gritando, porque não aprenderam sobre amor e respeito, nem em casa, nem na escola.

Sobre a violência. Certamente vejo um país “construído sobre bases violentas”, como o falso Pelbart destaca. Mas discordo de que somente isso explique a violência com que convivemos. Note que outros países foram mais violentos na sua origem, como a Inglaterra, e não encaram o mesmo desafio que nós. A violência cresceu, em especial, porque se descuidou horrorosamente da educação e da cultura, mas também (como entendo a vida a partir de uma base espiritualista e reencarnacionista), pelos espíritos que reencarnaram nas últimas décadas trazendo essa violência escondida na bagagem da inocência infantil, sem que a família e as políticas educacionais obtivessem êxito em trabalhá-las, quando era importante: desde a primeira infância. E, mais triste que isso, vejo espíritas e espiritualistas que fazem análises sociológicas ou concordam rapidamente com elas, sem considerar o componente espiritual, e penso que isso os torna coniventes com as visões materialistas, iludidos por textos como o que estamos analisando ou iludidos com visões políticas desacreditadas pelo tempo e a experiência.

De fato, dinheiro da educação foi desperdiçado ou desviado, em governos passados. A formação universitária dos professores decaiu em qualidade e eles se viram sozinhos, recebendo pouco e precisando fazer o impossível. O Brasil teve problemas de má gestão e desinteresse da maioria dos políticos pelos verdadeiros desafios nacionais. Isso É um fato.

Providências que revertam esse quadro, que insiram a família na responsabilidade pela educação e orientação das crianças e jovens, junto com a escola, teriam efeitos altamente positivos na diminuição da violência e da delinquência. Vejo isso em muitas famílias que conheço e vou conhecendo. Elas perseveram orientando, ajudando as crianças a crescerem com bons sentimentos, respeito à Natureza e ao próximo, princípios e atitudes. Observo a trajetória bonita desses jovens.

E, só para não me alongar mais: a cordialidade do brasileiro não é um mito, ela é real, é um fato. É só caminhar pelos interiores – isso mesmo, a pé, não apenas passar de carro admirando paisagens de Minas e São Paulo (e de outros Estados também), em direção a um resort. Viajar e ver que a cordialidade está lá, lotada de exemplos das casinhas simples, nas cidades pequenas, quando precisamos de informação ou ajuda, e nós podemos senti-la no café farto e no acolhimento. Esses lugares que seguem longe do egocentrismo e falta de civilidade que cresce nos grandes centros urbanos, são espaços de simpatia, generosidade e hospitalidade genuínas.

Sobre o texto que lhe foi falsamente atribuído, o verdadeiro Peter Pál Pelbart publicou essa nota, na página de seu editor. “Jamais sustentaria essa posição irresponsável”, escreveu ele. Observe a data do esclarecimento, dois dias antes do Segundo Turno das eleições para Presidente da República de 2018:

Temos um grave problema de ética nas campanhas políticas, que denuncia os princípios morais de quem as planeja e implementa. E que é repetido pelos apoiadores criativos “bons” de escrita.

Num país que tem grande número de analfabetos funcionais, quem domina a escrita consegue criar fatos, crenças e partidários desta ou daquela ideia. Qualquer um que tenha um pouco mais de informação e conhecimento, mas falta-lhe a ética; qualquer um que fale bem, ainda que fale mentiras, consegue enganar multidões e angariar votos. A mídia que distorce acontecimentos em favor de um lado, prejudicando o outro e desonrando o jornalismo, consegue ter credibilidade de quem gosta de ser crédulo. Esses jornalistas, no entanto, influenciam a sociedade e formam opinião sobre quem está certo e errado, sobre o que é bom e o que é mau. Criam ódio e provocam atitudes nascidas do ódio que criaram.

Enfim, é triste, mas vemos muitos que escrevem, hoje, no Brasil, tentando demolir nossa autoimagem positiva e dizer que somos menos do que somos. Chega de dizer que nada presta no Brasil e que está tudo errado! Houve erros, mas há capacidade de corrigi-los e ela está em cada um de nós. Ninguém é pequeno demais para começar a fazer diferença para melhor. Podemos começar bem, simplesmente selecionando em que acreditamos.

Publicado por ritafoelker

Filósofa, palestrante e jornalista. Escritora reconhecida nos temas: espiritualidade, inteligência emocional e educação, publica livros desde 1992. Faz palestras no Brasil e no exterior. Formação em Pedagogia Sistêmica com a Educação, pelo Instituto Hellen Vieira da Fonseca.

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3 comentários

    1. Valdete, sinto muita necessidade de manter a lucidez e a atenção, no meio de tantas falas radicais e textos que espalham ideias equivocadas. Que bom que minhas palavras encontraram ressonância no seu coração.

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  1. Precisamos investir mais na pessoa no sentido de buscar o conhecimento e aprender a refletir não sendo como diz a música “povo marcado, povo feliz”

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