O fato de você crer fortemente numa ideia pode torná-la verdadeira. Para você.
Hoje ocorreu comigo um fato bem curioso. Toda manhã eu busco um pensamento ou frase para iniciar o dia no Face. E caiu sob meus olhos um texto que acredito que você conheça: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.”
Muito provavelmente você já o encontrou sendo atribuído a Chico Xavier. Até hoje eu acreditava que fosse do Espírito Hammed, pelo médium Francisco do Espírito Santo Neto, conforme li em algum lugar. Então pesquisei e descobri que, nesse caso, há até um livro[1] onde o trecho pertence a uma mensagem: “Nasceste no lar que precisavas. […] Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.”, cuja psicografia é datada de 06/03/1996.
Pois bem: Nem Chico, nem Hammed! Consultando o tio Google soube que essa frase original é do editor James R. Sherman. No original: “While no one can go back and make a new beginning, anyone can start now and make a new ending.” pertence ao livro Rejection (Pathway Books, 1982 – atenção para a data!).
Faço essa introdução para tratar do tema das crenças. Algumas de nossas crenças são tão fortes e parecem tão fundamentadas que, para nós, tornam-se verdades.
Um exemplo: Existem locais no Brasil onde, apesar de ser contra a lei e perigoso, considera-se normal andar de motocicleta sem capacete. Andar até mesmo com a família sobre a moto, todos sem capacete! Há uma crença na própria habilidade (ou onipotência), reforçada pela comunidade que age da mesma forma. Então todos ali acreditam que não precisam usar capacete, apesar das estatísticas dizerem o contrário e a ciência demonstrar os riscos reais do impacto numa situação dessa. Será que eles são loucos?…
Essa pergunta nos remete a Frank Herbert, escritor, autor de Duna, a série de livros de ficção científica que se tornou filme em duas ocasiões: 1984 e 2021. Sua resposta: “Eles não são loucos. Eles são treinados para acreditar, não para saber” (in O Messias de Duna, São Paulo: Aleph, 2017).
Podemos agora falar da diferença entre crença (opinião) e conhecimento. Platão estabelecia uma distinção entre doxa (opinião) e epistéme (conhecimento). Crenças nascem como opiniões, geralmente manifestam as paixões de uma pessoa e são assumidas como reais. Surgem da percepção pessoal ou grupal de certos fatos, as quais podem ser errôneas justamente por se fundarem em meros fenômenos e sensações.
Esta é a mesma condição dos espectadores retratados na Alegoria da Caverna (narrada em A República), de que você já pode ter ouvido falar, onde um grupo de indivíduos só tem acesso às sombras da realidade e, não, à própria realidade.
Já epistéme é conhecimento científico, fundamentado. O conhecimento que tem como base Fato, Verdade ou Lógica.
Fato: Ocorrência verificável, cuja afirmação está apoiada numa evidência. Ex.: O Sol nasceu hoje pela manhã: isto é um fato e um fato é fonte de verdade desde que tenha ocorrido.
Verdade: Correspondência entre uma afirmação e a realidade. Ex.: James R. Sherman escreveu a frase citada no início do texto antes de Hammed, como verificamos por meio das datas de publicação de ambas.
Lógica: Consiste numa relação entre afirmações ou enunciados que se apoiam em evidências também. Mas em lugar de fatos, essas evidências estão nos raciocínios que a sustentam. A Lógica oferece “métodos capazes de identificar os argumentos logicamente válidos”[2] e procedimentos para apontar raciocínios que apenas parecem perfeitos e válidos, mas não são – as chamadas falácias.
Como assim, Rita?
Raciocínios são feitos de premissas e conclusões.
Premissas são afirmações que contêm evidências em favor da conclusão.
Conclusão é a afirmação que se sustenta sobre um conjunto de premissas.
Por exemplo, alguém pode dizer que “um raio jamais cai duas vezes no mesmo lugar” (premissa), portanto, algo não acontecerá (conclusão). Mas será verdade que isso jamais aconteceu? Havia testemunhas em todas as ocorrências de raios desde o início dos tempos, para confirmar que essa premissa é verdadeira? Não. Logo, a conclusão não se sustenta.
Enfim, por mais que você acredite numa opinião, num livro, numa fala de alguém famoso, ela ainda pode estar equivocada ou ser flagrantemente falsa. Preste mais atenção à origem das ideias em que acredita – adote o hábito daquilo que chamo de “um certo ceticismo saudável”.
Encerro por enquanto com palavras de Frank Herbert, na obra citada acima: “A crença pode ser manipulada. Só o conhecimento é perigoso.”
[1] Francisco do Espírito Santo Neto / Hammed (Esp.), In: Um modo de entender: uma nova forma de viver. Catanduva(SP): Boa Nova, 1996.
[2] Wesley C. Salmon. Lógica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1981.
Imagem: Vecteezy