O Massacre da Serra Elétrica (que voltou aos cinemas em fevereiro de 2023 e tem uma criticada sequência adolescente, disponível na Netflix) é um título, no mínimo, equivocado. A tal serra, de fato, funciona a gasolina. Detalhe que não impediu o sucesso e a fama, desde 1974.
Mas vamos concordar: o título É fake, sim. Por quê? Porque as palavras referem a algo que existe e pode ser constatado. É só assistir ao filme e conferir.
A vida real funciona assim. Notícias e declarações são checadas com a realidade, testemunhos idôneos ou evidências científicas.
Ou deveria funcionar.
Às vezes, não se pode tirar uma conclusão imediata. Para essas situações existe a suspensão do juízo (em grego: epoché), proposta pelo ceticismo filosófico, que se aplica quando não é possível ter certeza, no presente, sobre um fato ou afirmação. O exemplo clássico: Em certa manhã nevoenta, alguém caminha em minha direção. À distância, creio que é Paulo, mas não tenho certeza. Quando, porém, a pessoa chega suficientemente perto, constato que se trata de Pedro.
Note que, nos casos de Pedro e da serra, há um momento em que minha crença inicial é confrontada com a realidade e, desse modo, é possível adquirir certeza a seu respeito.
O que é, é; o que não é, não é. Quero dizer com isto que nossas conversas, textos, impressões, juízos e conclusões carecem de apoio na verdade dos fatos, na pertinência, na coerência, na lógica. Do contrário vira um diálogo de surdos, blá-blá-blá cansativo e sem sentido.
Ontem, contudo, li um comentário no Facebook que acendeu um alerta em minha mente.
A frase era parte de um debate sobre fatos recentes e tinha forte viés político. Alguém dizia: “A amiga deve estar falando de outro país.” Quer dizer: “Não é possível que estejamos falando da mesma coisa, aqui.” Para mim, é uma coisa, pra você é outra.
Mas não é isso que temos visto? Uma parcela de pessoas descreve e comenta situações que, para elas, são evidentes, inquestionáveis, enquanto, para outras, são invenções, injúrias e mentiras. Fake news.
Tanto uns, quanto outros formam um panorama totalmente distinto do que está acontecendo, cada qual insistindo que sua visão é a correta e que o outro é que não enxerga.
Hoje, porém, quando isso ocorre, não se trata simplesmente da espontaneidade das pessoas que expressam sua visão e opinião.
Hoje somos bombardeados com narrativas de caráter danoso, engendradas para favorecer uns e desqualificar outros. Para defender uns e culpar outros. Para execrar uns e exaltar outros. Narrativas que criam histórias, motivos e justificativas; que são assumidas como verdades, defendidas com paixão.
Mas – esta é a grande questão – onde é que elas se colam aos fatos que as originaram? (Se é que colam…) Às pessoas envolvidas? Às razões que pretensamente as justificam?
Em nome do equilíbrio, da preservação das amizades, da necessidade de tempo para avaliar o que lemos e ouvimos, em meio a uma celeuma de fontes e opiniões, eu relembrei a sabedoria, serenidade e ponderação dos filósofos céticos. Que, antes de assumir como verdade cada novidade que aparece em rede social ou mesmo em noticiários, a gente reflita, use um tempo pra checar, pra se informar melhor. Quando ler ou ouvir uma novidade, respirar e ponderar, antes de responder ou compartilhar. Epoché.
Enquanto algumas pessoas divulgam inverdades por boa fé, outras vivem de criar historinhas para serem engolidas como verdadeiras, mas que prejudicam pessoas, instituições e comunidades. Emocionalmente, temos tendência a acreditar naquilo que queremos muito que seja verdade. O momento pede bom senso e atenção.
Muita gente ainda pensa que a serra do Leatherface é elétrica e já faz décadas. Ninguém está isento de se equivocar. Mas temos o poder de melhorar a comunicação, diminuir o ruído e até mesmo preservar a saúde mental.
_____
Imagem: Netflix (Divulgação)
Leia também: Tudo em que eu creio é verdade?