Quando a gente fala em “filosofia antiga” e “filosofia medieval”, essas expressões não devem ser entendidas como indicativas de envelhecimento

O matemático e filósofo britânico Alfred North Whitehead (1861-1947) afirmou que toda filosofia ocidental não passa de notas de rodapé à obra de Platão[1] (428/427 – 348/347 a.C., atenção a essas datas!) que, por seu turno, seria profundamente influenciado por Sócrates (470 – 399 a.C.). A filosofia grega clássica pode ser tão atual e pujante quanto ideias nascidas nos séculos 20 e 21.

Em época recente houve quem dissesse que certos domínios da filosofia se tornaram obsoletos e que a ciência deveria se pronunciar sobre eles, a partir de então. Nos anos 1930, um grupo de pensadores conhecido como o Círculo de Viena defendia o chamado empirismo lógico. Para eles a ciência deveria substituir a metafísica, porque esta última gerava afirmações “sem sentido”, isto é, sem significado cognitivo, sobre a natureza do mundo e dos seres. Segundo eles chegara o tempo dos cientistas nos fornecerem respostas mais racionais e fundamentadas.

As perguntas metafísicas clássicas são: O que existe? Como existe? Elas tocam diretamente em aspectos de nossa existência humana. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?… A ciência não se pronuncia sobre essas questões, mas suas conclusões conduziram frequentemente ao materialismo e ao niilismo, incompletos e insatisfatórios ao pretenderem explicar a complexidade da vida e da consciência.

Ideias ficam velhas, não por idade, mas porque são refutadas. Filósofos muito prestigiados num período acabam se tornando passageiros ou datados, porque seus postulados se mostram insuficientes ou equivocados, décadas, séculos depois.

Contudo, nossas visões comuns da vida ainda evocam Descartes (1596 – 1650), Hume (1711 – 1776), Kant (1724 – 1804) e outros, até mesmo sem sabermos. Se você crê que um ser humano é capaz de construir seu próprio pensamento sobre si e sobre as coisas, se você se considera criatura divina composta de uma mente (“substância pensante”) e um corpo (“substância extensa”), você pensa como Descartes.

E o que ocorre, entre as ideias de diferentes épocas, nem sempre é superação das mais antigas pelas recentes. Pode ser um diálogo, considerando que algumas são duradouras e outras, passageiras. Então você pode dizer que se muitas ideias ficaram velhas e foram substituídas, outras persistem relevantes com o correr dos séculos. Mas a Filosofia segue viva, jovem, inquieta, pulsante, fértil.

Ora, e se pudermos gerar afirmações significativas do ponto de vista cognitivo, conhecimentos fundamentados sobre a natureza do mundo e dos seres? Aqui entra a Filosofia Espírita!

A base do Espiritismo é sua filosofia: suas concepções sobre Deus, sobre o que somos, o que estamos fazendo na Terra e qual o nosso destino.

Teriam elas surgido de especulações metafísicas? Não! Brotaram da pesquisa e da análise dos fatos. “Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom-senso. […] Fala uma linguagem clara, sem ambiguidades. Nada há nele de místico, nada de alegorias suscetíveis de falsas interpretações” (em O livro dos Espíritos, Conclusão, item 6).

Kardec tinha uma mentalidade científica. Os efeitos físicos, que ele estudou, levaram à descoberta da sua causa: a ação dos Espíritos sobre a matéria.

Ora, mas quem eram esses Espíritos? As almas daqueles que tinham vivido na Terra, ou em outros planetas, e que voltam a encarnar em busca de evolução intelecto-moral.

Kardec utiliza as manifestações e comunicações dos próprios Espíritos (recorrendo, para isso, a médiuns de diferentes partes do mundo) para construir as bases da Doutrina. Ele não tirou as ideias espíritas de sua mente, ele as coligiu a partir da experiência, formulando princípios filosóficos coerentes e sólidos em suas premissas. Princípios que continuam válidos e resolvendo questões que outras correntes filosóficas e religiosas, ou evitam, ou sobre os quais não conseguem oferecer respostas plausíveis. A solução do impasse, para elas, é requerer uma fé em dogmas que não podem ser analisados nem questionados, condição sine qua non para se tornar um adepto. Enquanto isso o Espiritismo propõe, em lugar da fé cega, uma fé raciocinada.

Fato também interessante, é que Kardec indica Sócrates e Platão como precursores da Doutrina Espírita, apresentando um resumo das suas ideias na Introdução a O Evangelho segundo o Espiritismo.

Mas o grande pulo do gato da Filosofia Espírita é a afirmação de que, se ela se mostrar equivocada em um determinado ponto, será modificada nesse ponto, sem que todo o edifício desmorone – o que expressa o seu caráter progressivo (em A Gênese, cap. 1, item 55).

Os livros básicos do Espiritismo foram produzidos num esforço conjunto de encarnados e desencarnados e, até hoje, oferecem respostas satisfatórias para as grandes questões da vida, da morte e de como nos conduzirmos durante a existência terrena. Eis por que Kardec e a Filosofia Espírita não estão velhos, nem superados.


[1] Em Processo e realidade: ensaio de cosmologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010.

Imagens: https://www.ideak.com.br/blog/acervo-de-imagens-de-kardec-disponivel-para-download; https://www.millavois.com/wp-content/uploads/2022/08/millau-spiritisme-tables-tournantes-04.webp; https://pixabay.com/pt/vectors/cristianismo-catolicismo-s%C3%ADmbolos-7922339/; https://pixabay.com/pt/vectors/coluna-constru%C3%A7%C3%A3o-grego-arquitetura-48780/.

Publicado por ritafoelker

Filósofa, palestrante e jornalista. Escritora reconhecida nos temas: espiritualidade, inteligência emocional e educação, publica livros desde 1992. Faz palestras no Brasil e no exterior. Formação em Pedagogia Sistêmica com a Educação, pelo Instituto Hellen Vieira da Fonseca.

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