“O consolo do conhecimento para uma época em transição”, palavras de Sonia Theodoro em seu livro “As consolações da Filosofia Espírita”, fazem referência a um ponto essencial do nosso “pensar a realidade”.

A existência terrena é um campo de desafios e aprendizagens, em que muitas vezes a criatura se sente perplexa e não encontra respostas para suas questões, nem alívio para sua ansiedade.

Diante disso, a relação entre o pensamento e a verdade torna-se importante fonte de segurança e serenidade ante problemas cotidianos e mesmo ante questões mais graves. Segurança e serenidade não surgem ao se assumir crenças ou opiniões transitórias, que mudam quando uma ideia mais plausível (ou agradável) se apresenta, mas de encontrarmos bases sólidas para construir raciocínios sobre a vida, a nossa situação no planeta, adversidades, liberdade e destino.

Allan Kardec demonstra perceber isso muito claramente, ao escrever que:

“A necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender. […] A fé raciocinada, por se apoiar nos fatos e na lógica, é esclarecedora. A criatura então crê porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, 7)

Vemos, então, Kardec afirmar que a fé necessita de uma base, base que consiste em entendimento perfeito ou compreensão. E que essa compreensão, por seu turno, se apoia nos fatos e na lógica.

Ficam, portanto, excluídos os dogmas ininteligíveis e as interpretações sem fundamento, que somente inspiram uma fé cega, admiração ou adesão emocional. Kardec fala de razão, capacidade compartilhada por toda a humanidade.

O conceito de Deus como ponto de partida

A compreensão de porque nós cremos, por sua vez, começa numa noção lógica e plausível de Deus. Uma vez estabelecido que existimos e que, se o Universo existe, ele há de ter uma causa, essa causa é Deus.

Uma escolha providencial foi feita ao iniciar-se O livro dos Espíritos com o conceito lógico de Deus e, em seguida, uma lista de atributos dos quais, se faltasse apenas um, ele já não seria Deus. A partir dessa noção de Deus eterno, imutável, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, outros princípios são deduzidos, constituindo uma cosmovisão.

O consolo que a filosofia espírita nos proporciona é proveniente da perfeita noção de liberdade de pensar e da certeza de que, ao pensar logicamente e observarmos a realidade, reconhecemos uma sabedoria superior nas formas da Natureza e no perfeito funcionamento das Leis Naturais. Ao nosso lado, estão os Espíritos protetores que nos auxiliam e inspiram em nossa jornada de evolução intelecto-moral, que procuram nos orientar e auxiliar.

Passamos a compreender a responsabilidade pelas consequências do uso do livre-arbítrio, uma medida pedagógica que nos conscientiza sobre a importância da escolha dos pensamentos, palavras e atitudes na construção do equilíbrio e da felicidade.

Dessa compreensão deriva também o caráter eminentemente consolador do Espiritismo, como bem observa Sonia Theodoro, ao afirmar que “a filosofia espírita é consoladora, e […] assim será em todos os momentos da vida humana, pois confere perspectivas de sentido à existência”, acrescentando ainda que “o sentido de consolação em filosofia vai ao encontro de uma reflexão mais profunda sobre o sentido de finitude, no fato de que para nós, humanos e para toda a criação, o tempo está contado; a mortalidade é um fato e isso nos aterroriza” (em As consolações da Filosofia Espírita, Abertura).

Logo, o que precisamos é de uma filosofia que transcenda o imediato e o palpável, trazendo respostas claras e conceitos que possamos aplicar em nossas considerações pessoais sobre os desafios do cotidiano, os relacionamentos, a morte e o que tudo isso representa no contexto do Universo.

Podemos inferir as consequências dessa concepção espírita da existência em outros campos, como o auxílio espiritual, o diálogo com espíritos em sofrimento, nas reuniões destinadas a esse objetivo, e a psicoterapia.

Alexander Moreira-Almeida lucidamente explica que “desde tempos imemoriais, crenças, práticas e experiências espirituais têm sido um dos componentes mais prevalentes e influentes da maioria das sociedades. Profissionais de saúde, pesquisadores e a população em geral têm, cada vez mais, reconhecido a importância da dimensão religiosa/espiritual para a saúde” [1]. Contudo, no mesmo artigo, escreve ele que “estudar cientificamente a espiritualidade é uma empreitada muito entusiasmante e perigosa. Essa é uma área repleta de preconceitos, preconceitos a favor e contra a espiritualidade. A maioria das pessoas tem opiniões sobre o tema, mas habitualmente essas opiniões foram formadas sem uma análise aprofundada das evidências disponíveis.”

O problema do preconceito “a favor e contra” ainda existe, tanto no meio espírita, quanto além das suas fronteiras. Mas ele deixa de existir se encaramos a ideia de Deus e a cosmovisão decorrente como resultantes de lógica e bom senso e, não, de crença, opinião e/ou adesão religiosa. Enquanto não compreendermos o valor fundamental dos raciocínios espíritas na vida e nas vivências, continuaremos construindo muros e grades, limitações e preconceitos, onde deveria haver um largo caminho de entendimento espiritual da realidade e de cura.

“O volume e a qualidade das evidências atualmente disponíveis têm levado a um crescente reconhecimento de que espiritualidade se constitui em uma dimensão importante da vida das pessoas em todo o mundo, bem como a constatação de que as práticas e crenças religiosas dos pacientes influenciam o cuidado e a evolução dos problemas de saúde. Essa constatação tem gerado um esforço internacional de integrar a espiritualidade na prática médica” [2].

Esses dados reforçam a urgência de estudarmos profundamente e bem entendermos os conceitos básicos do Espiritismo, perceber que eles nos permitem pensar com clareza, que nos fazem bem, esclarecem nossa situação terrena e mostram o caminho infinito à nossa frente, repleto de perspectivas reais de melhoria, superação e renovação.

Como Sonia Theodoro explica: “O que sabemos é que para tudo existe uma causa – mas o que sabemos também, e isto é consolador, que a vida real não se completa aqui neste vasto e belo planeta. Que somos Espíritos e jornadeamos na matéria, como viajores do Infinito, para citar Plotino, com o objetivo de aprendizado e consequente crescimento” (em As consolações da Filosofia Espírita, Apresentação).

Assim, estabelecendo uma relação clara e frutífera entre o pensamento e a verdade, a filosofia espírita cria a condição da resignação, a coragem das boas atitudes e um chamado veemente às ações éticas.

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[1] https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000700001

[2] https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000200001

SERVIÇO: Sonia Theodoro da Silva nos relata e explica os contatos entre a filosofia e a espiritualidade, passando pela Grécia Antiga, Roma, chegando à França do século XIX e à atualidade, em seu livro As consolações da Filosofia Espírita, atualmente em nova edição, pela Ed. Paideia.

Publicado por ritafoelker

Filósofa, palestrante e jornalista. Escritora reconhecida nos temas: espiritualidade, inteligência emocional e educação, publica livros desde 1992. Faz palestras no Brasil e no exterior. Formação em Pedagogia Sistêmica com a Educação, pelo Instituto Hellen Vieira da Fonseca.

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